A CAMINHO DE CASA    (II)

 

O arquipélago de Fernando de Noronha, de origem vulcânica, isolada no Atlântico Equatorial, está situado no nordeste do Brasil nas coordenadas 03º 54´S de Latitude e 32º 25´W de longitude, distante aproximadamente 545 Km do Recife e a 2.600 Km da costa de África. É formada por 21 ilhas ocupando uma área total de 26 Km2. A ilha principal, a única habitada, é chamada de Fernando de Noronha cuja superfície é de 17 Km2. O clima é tropical  com temperaturas entre os 24º e os 32º. A sua população é de cerca de 1000 habitantes e outros tantos vindo temporariamente do Recife.

Foi na baía de Stº António que no dia 11 de Março, pelas 10 horas ancorei o Hemingway. Ao mesmo tempo chegava um navio com turistas.

Após haver preparado o meu bote insuflável, desligados os equipamentos de navegação, feita a barba e tomado um duche, verifiquei mais uma vez se o ferro do Hemingway estava bem preso no fundo. Peguei em 100 dólares, minha máquina fotográfica e várias postas do WAHOO que tinha apanhado pela manhã, e segui com destino à praia que fica no interior do porto.

Como eram 11 horas, a praia estava razoavelmente povoada. Destacava-se um grupo de turistas, pálidos, eles exibindo as respectivas banhas e elas de pele luzidia, engraxada, lá faziam o melhor que podiam... Como falavam Português pedi-lhes ajuda no tocante à varagem do bote. Os homens continuaram a conversar e não vieram; vieram as cincos mulheres. Quiseram saber acerca da minha viagem. Como estava com fome, calcei os sapatos e lá fui encosta acima. No bar e restaurante VIRTUAL foi fácil negociar as postas de WAHOO.

Enquanto aguardava  o meu merecido almoço, chegaram duas das mulheres da praia. Perguntei-lhes pelos companheiros. Responderam-me que aqueles barrigudos e chatos não eram companheiros, que eram de Lisboa e eles de Cascais.

Após o almoço e embora as Lisboetas tenham mostrado interesse em visitar o Hemingway, parti com destino à Vila dos Remédios. Visitei as ruínas do Forte dos Remédios, construído pelos Portugueses no século XVIII. Destas ruínas que em tempos também foram presídio, avista-se toda a vila dos Remédios assim como o porto.

Na vila dirigi-me à Agência do Banco Real afim de trocar os 100 dólares. Todavia neste Banco não fazem câmbio de moeda estrangeira! Indicaram-me uma agência de Turismo que fica ao lado do Banco. Efectivamente trocaram-me os dólares com uma comissão de 20%!! Até parece que há um "certo arranjo" entre o banco e a agência de turismo.

Visitei a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios.

Belo exemplar da engenharia e arquitectura Portuguesa do século XVIII. No seu interior e ao lado do Altar mor, onde se encontra uma imagem da Padroeira, há um altarzinho com um santinho feito em pau preto e vestido com veludo vermelho bordado a ouro, que segundo a Dª Ana Martins da Costa, se destina a curar pessoas vítimas de macumba ou outros males. A Dª Ana é uma guia turística que informa os muitos visitantes acerca da história da Igreja e mesmo da própria Vila dos Remédios. Disse-me também que a sua mãe era Portuguesa.

Perto da Igreja e no centro da Vila há um palácio de S. Miguel onde funcionou a directoria do presídio. Em frente deste há um monumento evocativo da passagem por F. Noronha de Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Efectivamente a ilha de Noronha foi usada como colónia penal para presos de delito comum até 1938. Após esta data e durante a ditadura militar foi o destino de muitos filhos da Nação Brasileira. Há também um pequeno museu e arquivo onde está documentada alguma da história Noronhense.

Caminho acima (a vila fica situada numa encosta) encontramos os Correios e algumas pequenas lojas assim como restaurantes familiares. Aliás, as mais de 100 pousadas existentes na ilha que acolhem os muitos visitantes, são pousadas familiares, uma vez que o único hotel não ultrapassa seguramente as 12 camas. Julgo pois que a economia de F. Noronha está bem organizada uma vez que sendo o turismo a única fonte de receitas, todos ou quase todos trabalham ligados a esta actividade. De referir que os pescadores com que conversei eram do Recife e estavam ali contratados por 3 meses. Em F. Noronha as embarcações foram adaptadas à nova realidade e portanto, a pesca é efectuada por pescadores vindos de outras paragens. O mesmo se aplica à recolha do lixo, alguma construção civil e até mesmo comércio. Ainda na vila dos Remédios há a lojinha da mãezinha onde podemos encontrar:

__ Sapatos, pregos e pratos.

__ Preservativos, gelados e bolinhos.

__ Camisas, pão e feijão.

__ Linhos, isqueiros e martelos.

__ Lotarias, jogos e perfumaria.

Quando regressei ao porto, já o PRINCESSE DANAE  havia zarpado e com eles os barrigudos de Cascais e respectivas madames.

A estes 3 cavaleiros de uma "ordem" há muito extinta, apeteceu-me dizer-lhes que o motor do Hemingway não funcionava a "graxa"...

Também lá se foram as duas Alfacinhas.

No bar restaurante VIRTUAL lá estava a Nadibanu Conceição, estudante de Sociologia na Universidade de João Pessoa. Agora estava ali fazendo o que sempre gostou: cozinhar. Falou-me de Eça de Queirós e de Mário de Sá Carneiro. Ofereci-lhe a “Morgadinha dos Canaviais” de Júlio Dinis e um livro com poemas de Almeida Firmino.

No dia 13 de Março, pela manhã, levantei ferro ao Hemingway, No cimo do promontório sobranceiro ao porto fica, VIRTUAL onde negociei o meu pescado.

Da respectiva varanda alguém me acenava dizendo Adeus! Parti rumo ao porto da cidade de Fortaleza.

Ao pôr-do-sol, o vento que antes impelia o Hemingway a uma velocidade de 7 nós, abrandou reduzindo substancialmente o andamento. Já nada aparecia de Fernando de Noronha. Talvez naquela noite alguém estivesse lendo alguns dos poemas do poeta "desaparecido na minha ilha"

 

 

   Latitude 01º  14´S,  longitude 39º  49´W

   Rumo  305º

   28 de Março de 2002

 

   Genuíno Alexandre Goulart Madruga